Suspeita de cemitério indígena trava investimento de R$ 2,8 bi na Paraíba

Paraíba

As obras do estaleiro de Lucena, que deveriam ter iniciado neste mês, não estão nem próximas de começarem. Embora o projeto já tenha a Licença Prévia (LP), concedida pela Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), falta um item para obter a Licença de Instalação (LI). O processo “travou” no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que exige um projeto arqueológico por causa de suspeita de um cemitério indígena no local.
A Licença Prévia se refere à fase preliminar do empreendimento e aprova a localização e concepção do projeto. Ao mesmo tempo em que atesta a viabilidade ambiental, a LP estabelece requisitos que devem ser atendidos na próxima fase da implementação do projeto, ou seja, durante a Licença de Instalação (LI). No entanto, a LP não autoriza o início das obras físicas.
De acordo com o consultor e representante da empresa norte-americana McQuilling, que vai construir o estaleiro em Lucena, Roberto Braga, a continuidade do processo depende da pesquisa arqueológica. “A licença prévia já foi dada pela Sudema e, quando é emitida, diz que há viabilidade ambiental no local do investimento. Para isso, temos apenas de cumprir os condicionantes que, no nosso caso, são 37. Cumprimos 36 e a única que falta é ligada ao Iphan, que diz que no local pode ter navio afundado ou cemitério indígena”, comentou.
Assim, nada pode ser feito na área sem o cumprimento desta condicionante. “O Iphan quer uma pesquisa arqueológica da área, sendo que 80% do lugar já foi cavado com quatro metros de profundidade quando instalaram os tanques de criação de camarão. Nada foi encontrado. Mas o instituto quer mais furos”, disse.
Para o consultor, é importante a obtenção da Licença de Instalação como forma de garantir aos investidores que o empreendimento vai ser construído. “Sem a Licença de Instalação, os clientes não vêm aqui porque não tem segurança. Esperamos que agora, com a melhora da economia e da crise política, com inflação mais baixa, comece a aparecer mais investidores interessados”, afirmou Braga.
Sem posse e sem recursos
Se existe apenas uma condicionante para a emissão da Licença de Instalação (LI) para que o projeto final do estaleiro de Lucena possa ser feito, qual é a dificuldade em cumprir a exigência do Iphan? “Temos dois problemas. O primeiro é que a área não é nossa. Temos um contrato de opção de compra e venda assinado no cartório e com prazo para vencer. Já venceu uma vez e renovamos. Na hora em que fizermos a opção pela compra, basta pagar. Mas a área não é nossa. Não vou fazer furos numa área que não é nossa e sem saber se o investidor vai chegar”, explicou Roberto Braga.
O segundo problema, conforme salientou, é a falta de recursos, já que para fazer a pesquisa arqueológica demanda, além de tempo, dinheiro. A estimativa de investimento na pesquisa está orçada em mais de R$ 1,5 milhão. “Isso é um grande empecilho e amedronta o investidor. Eles sabem que o Brasil está numa crise política e econômica e não se sentem seguros para investir apenas com uma Licença Prévia. Esse é um grande problema que não conseguimos resolver”, afirmou o consultor.
Para um projeto desta magnitude ser viável, é preciso que investidores acreditem nele. “Os investidores são a parte mais importante. Eles aparecem e desaparecem. Por quê? O Brasil não oferece uma segurança jurídica por causa da situação política. E os investidores se baseiam na segurança. Também tem as notas de rating, que são notas de crédito emitidas por agências de classificação de risco sobre a qualidade de crédito. O Brasil com a crise política não apresenta boas notas e os investidores ficam ressabiados”, frisou.

Roberto Braga, Secretário do Desenvolvimento Econômico Nacional.
Empreendimento tem quatro investidores
Atualmente, o estaleiro de Lucena conta com quatro investidores, sendo um americano, um da Singapura, um da Coreia do Norte e um do Brasil. “No ano passado tínhamos outro investidor que era o maior deles. Era o maior grupo chinês do mundo, a CCCC. Eles investem no mundo inteiro e orçamento deles para a América Latina no ano passado estava previsto em R$ 20 bilhões. Parte desse investimento seria para o estaleiro, mas a Licença de Instalação não saiu e eles saíram”, contou Braga.
O crédito, no entanto, existe. “O bom desse negócio todo é que cuidamos de arranjar dinheiro. Conseguimos crédito junto ao Fundo de Marinha Mercante, cerca de R$ 2,15 bilhões. Conseguimos mais R$ 800 milhões pelo Banco do Nordeste por meio da Sudene. Então, já tínhamos o dinheiro garantido para os grupos de investidores entrarem, para eles terem melhores opções aqui e investirem sem receio”, afirmou o consultor.
De acordo com o consultor Roberto Braga, no momento em que a Licença de Instalação for finalmente obtida, o projeto final para a construção do estaleiro será feito em Portugal, com previsão de conclusão de oito meses. “Somente depois desse prazo para a feitura do projeto definitivo, as obras começariam. O estaleiro ficaria totalmente pronto em quatro anos, sendo que depois dos dois primeiros anos ele já começa a operar”, explicou.
Estaleiro para reparar navios
Quase R$ 3 bilhões é o valor do investimento do estaleiro de Lucena. De acordo com Roberto Braga, trata-se de um estaleiro para reparos e manutenção de navios. “Diferente dos estaleiros de construção naval, que estão falindo em todo o mundo porque os principais estão na China e em Singapura, o estaleiro de reparos tem vida longa porque funcionam para fazer a manutenção nos navios, que precisam disso a cada dois ou três anos”, explicou.
Conforme o consultor, este será o primeiro estaleiro do Atlântico Sul que terá capacidade para realizar a manutenção de navios de médio e grande porte. Atualmente, existe apenas um localizado em Miami, mas que faz reparos apenas em navios de turismo, e um no Uruguai, mas que atende apenas a navios de pequeno porte. “Além disso, por ser novo, é projetado para ser um dos mais modernos do mundo e apenas dois estaleiros no mundo são modernos assim”, afirmou.
Dentre as inovações, destaca-se a manutenção de leme e de eixo de navio. “São manutenções complicadas de fazer. Esse estaleiro terá um retorno robusto e tem a liderança da McQuilling, que atua em dez países contratando fretes. Um navio para fazer a manutenção tem de chegar vazio de combustível e carga ao estaleiro. Até a China, são muitos dias para chegar e em média se perdem US$ 500 mil dólares por causa disso. Com o estaleiro em Lucena, receberemos navios da África, América do Norte, Central e do Sul”, disse Roberto Braga.
Celina Modesto – Jornal Correio da Paraíba