Desafios para reocupar o Centro Histórico de João Pessoa

Destaque Paraíba

Exceto pelas atividades do Anima Centro, evento promovido pela Prefeitura de João Pessoa nos finais de semana, que leva atrações culturais gratuitas a alguns pontos do Centro da cidade, em geral, boa parte do Centro Histórico permanece esquecido pela população pessoense. Prédios desocupados, ruas pouco movimentadas em determinadas horas, iluminação pública precária em alguns pontos.

As ruas do bairro Varadouro, que guardam a história da terceira capital mais antiga do Brasil, são muito mais visitadas por turistas do que pelos próprios habitantes. Quem mora em João Pessoa, se resume a percorrer a localidade para resolver alguma questão nas lojas comerciais. Poucos são os que param e apreciam a beleza dos prédios antigos da região.

Então, o que fazer para que a população, de fato, ocupe e, sobretudo, valorize o Centro Histórico de João Pessoa? Como estimular a abertura de novos negócios relacionados à cultura ou que estejam abertos durante a noite, para, assim, expandir a atividade econômica na localidade? A reportagem do jornal CORREIO visitou o local e ouviu moradores, donos de estabelecimentos, especialistas e autoridades públicas sobre o assunto.

Para o arquiteto e urbanista Edson Leite Ribeiro, doutor em Engenharia Civil e professor aposentado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em geral, as áreas centrais das cidades brasileiras são abandonadas por uma cultura de segregação social, que faz com que as classes mais altas procurem bairros mais afastados; e por um mercado que não valoriza o patrimônio real dos centros históricos, por serem localidades menos “lucrativas”. Mas há ainda outros fatores.

“O Brasil tem a política de circulação urbana que favorece o automóvel. Isso estimula a busca de novas áreas com mais espaços para esse tipo de circulação. Tem ainda a desigualdade, que faz com que as famílias de baixa renda ocupem áreas distantes ou pericentrais deterioradas, afastando cada vez mais os segmentos de renda mais alta”, explicou.

Para o especialista, esse esvaziamento das áreas centrais representa também um problema ambiental: cidades dispersas são cidades que gastam mais espaços (que até então eram naturais ou rurais), com materiais, redes de infraestruturas e energia em seu funcionamento.

O caminho para reverter essa situação, segundo Ribeiro, está nas políticas públicas que favoreçam uma reeducação urbana, valorizando a convivialidade em troca da segregação e do isolamento social; em ações que tornem as áreas centrais em espaços urbanos bem utilizados na parte da noite (com o funcionamento de faculdades, escolas técnicas, cinemas, teatros, bares, restaurantes etc.); e, especialmente, no estímulo ao uso habitacional do Centro.

“Nós teríamos a condição de redescobrir o seu valor e o prazer de ver o renascimento desse verdadeiro ‘coração urbano’, esse espaço que é o mais democrático e não o dos enclaves urbanos”, destacou.

Um campus universitário no Centro Histórico de João Pessoa

Em 2010, o coordenador de Extensão Cultural (Coex/Prac) da UFPB, Antônio Gualberto Filho, doutor em Arquitetura e Urbanismo, publicou um artigo propondo ações para a revitalização do bairro Varadouro. No texto, ele sugere a instalação de um campus universitário nos prédios da Praça Antenor Navarro, como forma de reverter o abandono e a degradação do Centro Histórico de João Pessoa.

A ideia é atrair a circulação de pessoas para a localidade durante o dia e a noite. Para o especialista, o fato do bairro está localizado próximo aos terminais rodoviário, ferroviário e de integração facilitaria o deslocamento dos universitários. “O campus teria como principal proposta pedagógica a formação de profissionais que atuassem na recuperação e preservação do patrimônio histórico e cultural”, explicou Filho.

Seriam cursos nas áreas de História, Arqueologia, Arquivologia, Antropologia, Turismo e Geografia. No artigo, o especialista destaca que, como o Varadouro guarda boa parte do acervo do patrimônio histórico edificado e degradado da cidade, os alunos poderiam ver e participar dos trabalhos de restauração dos prédios.

E como consequência ao aumento do fluxo de pessoas na área, logo seriam instalados estabelecimentos comerciais relacionados ao campus, como lanchonetes, restaurantes e livrarias. Outra sugestão apresentada pelo especialista no artigo é o oferecimento de cursos voltados para o empreendedorismo, para capacitar e incluir as famílias que vivem no bairro do Varadouro.

“Para que essas pessoas possam trabalhar perto de suas residências tanto como empreendedoras quanto na condição de mão de obra qualificada para atender o setor de turismo e outros setores da economia que ali venham se instalar”, ressaltou Filho.

Ações propostas para revitalização do Centro Histórico de João Pessoa.
– Instalação de um campus universitário na Praça Antenor Navarro, com cursos voltados para a recuperação e preservação do patrimônio histórico e cultural;
– Criação de um circuito turístico com um monumento evocativo à fundação da cidade;
– Implantação do Museu da Cidade de Nossa Senhora das Neves, onde ficaria concentrado todo o acervo histórico da cidade;
– Recuperação da Praça Álvaro Machado, onde funcionou o Hotel Luso Brasileiro, e criar uma área de lazer;
– Criação de uma hidrovia para o trecho João Pessoa – Cabedelo, com parada no atracadouro do Varadouro, criando, assim, uma opção de passeio turístico, além de contribuir para desafogar o tráfego da BR-230;
– Reativação dos bondes elétricos, que além de não ser poluidor é compatível com a estrutura das vias e das edificações ali existentes. O transporte poderia ser utilizado tanto por turistas, como pelos moradores e trabalhadores da cidade.

Fonte: professor Antônio Gualberto Filho, doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFPB.

Morar na Vila Sanhauá

“Estar vivendo onde a nossa cidade nasceu e começou é a concretização de um sonho que guardo desde minha juventude. Viver no Centro Histórico é reencontrar nossa história e conviver com as possibilidades e riquezas da cultura local”. O depoimento é do artista Vant Vaz, um dos moradores do Vila Sanhauá – conjunto habitacional que funciona nos prédios históricos da Rua João Suassuna, no Varadouro. Além de moradias, nos prédios restaurados funcionam lojas de diferentes empreendimentos artísticos e comercial.

O Vila Sanhauá é um projeto da Prefeitura de João Pessoa, que teve como objetivo integrar o Centro à orla da Capital. A obra custou R$ 5,5 milhões e foi entregue em meados de 2018. Em agosto deste ano, a iniciativa recebeu o prêmio “Selo do Mérito”, da Associação Brasileira de Companhias e Secretarias Municipais e Estaduais (ABC). A categoria tem como o objetivo reconhecer trabalhos sociais e urbanos dos estados e municípios.

Vant revelou que paga um aluguel de R$ 187 por mês para morar no Vila Sanhauá. Segundo ele, o orçamento familiar reduziu relativamente depois que ele se mudou para o Varadouro. A principal economia foi com transporte, uma vez que o deslocamento para o trabalho ficou mais curto. O artista disse também é relativo o sentimento de segurança em morar na parte histórica da cidade.

Mas, na opinião de Vant, as medidas que tornariam a localidade mais segura seriam: implantação de uma programação cultural ao longo do ano, ampliação de reformas de casarões abandonados e lançamento de mais editais de ocupação. “[Me sinto] relativamente seguro, mas é perceptível o perigo ao cair da noite. Como medida emergencial, eu acredito que patrulhamento da Guarda Municipal ou da Polícia Militar, com postos montados por ali, melhoraria o sensação de segurança”, destacou Vant Vaz.

“Com melhor segurança e uma efetiva programação cultural ao longo do ano, poderíamos usufruir, sem muitos problemas, de uma área que seria potencialmente reconhecida como celeiro e condutora de nossa cultura e dos belos cartões postais. Assim como desenvolver a economia criativa e alimentar um turismo menos predatório”, destacou o morador.

Empresários comentam sobre a potencialidade econômica do Centro Histórico

A reportagem do jornal CORREIO conversou com dois empresários que têm bares no Centro Histórico de João Pessoa. Eles foram unanimes: a localidade tem grande potencial econômico. Eles afirmaram que o fluxo de clientes é bem satisfatório, pois ambos criaram um calendário de atrações musicais para trazer o público, que já frequenta os locais nos sábados e domingos, também ao longo da semana.

Para o empresário Ramón Suarez, dono do Vila do Porto, o que falta é mudar a percepção dos pessoenses em relação à parte histórica da cidade. “As pessoas não consomem essa região porque acham que é uma área violenta. É preciso mudar essa visão. É claro que acontece um ou outro episódio de violência. Mas isso é passível de acontecer em qualquer outro bairro de João Pessoa”, destacou.

Suarez comentou ainda que é necessário investir em políticas públicas voltadas para o Turismo que promovam o Centro Histórico. “Precisamos trabalhar mais a imagem de lá é o berço da cidade. Eu já vi guia chamando o Rio Sanhauá de Rio Paraíba. Isso é péssimo”, frisou. Por fim, o empresário ressaltou que é preciso dar mais incentivos para quem quer montar um negócio na região.

O empresário Thiago Storti, dono da General Store, tem o mesmo entendimento. “Faltam outros comércios legais, como restaurantes, pubs… Empresários com visão para investir na região. Desenvolver estabelecimentos internos”, sugeriu. Storti afirmou que não tem problemas relacionadas à segurança.

“A Rua General Osório é bem iluminada, tem policiamento constante. Tanto que nem segurança eu contratei. Então aquele estigma do Centro Histórico perigoso ficou no passado. Claro que há ruas menos frequentadas que se tornam esquisitas. Mas, no caso do meu estabelecimento, as pessoas ficam dentro de uma casa. É outro tipo de mercado”, comentou Thiago.

Para ele, um cominho seria a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes Seccional Paraíba (Abrasel-PB) trabalhar junto ao poder público ideias para trazer outros tipos de mercados para o Centro de João Pessoa. “Aqui tem muita casa grande que daria bares e restaurantes internos. A potencialidade existe, bastam incentivos e uma boa visão de negócio”, sinalizou.

Parque Ecológico Sanhauá

Em março desde ano, a Prefeitura de João Pessoa (PMJP) deu início à construção do Parque Ecológico Sanhauá – uma grande área de convivência, com praça, mirante, elevador panorâmico e passarela, cujo objetivo é resgatar a área de fundação da cidade. A obra está estimada em R$ 11,6 milhões.

Mas o projeto se envolveu em uma polêmica. Famílias da Vila Nassau, uma comunidade que se ergueu por trás da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) de João Pessoa às margens do Rio Sanhauá, receberam notificações para que desocupassem as residências. Elas se recusaram a sair do local, pois afirmaram que há mais de 162 famílias morando na área há mais de 50 anos. O caso está sendo acompanhado pelos Ministérios Públicos da Paraíba (MPPB) e Federal (MPF).

A secretária de Planejamento da PMJP, Daniella Bandeira, afirmou que a gestão municipal está há mais de cinco anos em negociação junto às famílias da Vila Nassau. Segundo ela, a área em questão foi classificada como de risco pela Defesa Civil, pois apresenta condições subumanas para habitação. “Ainda, assim, continuamos com o diálogo aberto com as famílias, para que a realocação possa ocorrer da melhor forma possível”, garantiu.

Bandeira afirmou que o impasse não comprometeu o andamento das obras do Parque. A Praça Napoleão Laureano, localizada em frente à CBTU, está em reforma e é parte integrante ao projeto. Para a secretária, o Parque Ecológico Sanhauá vai proporcionar uma verdadeira revolução na área do Centro Histórico de João Pessoa.

“Nós estamos resgatando e devolvendo a possibilidade das pessoas visitarem o nascedouro da nossa cidade”, frisou. “A recuperação da área também vai proporcionar um regaste histórico, uma vez que a requalificação vai até o antigo Porto – um equipamento que foi iniciado há 100 anos, mas que não foi concluído, e que representa um marco histórico para nossa cidade. Na área, será construída uma passarela elevada sobre o mangue, permitindo, assim, a recuperação da vegetação”, explicou.

A reportagem questionou se a PMJP tem algum projeto para capacitar os moradores do Porto do Capim para trabalhar no Parque. Segundo Bandeira, “o Parque vai trazer oportunidade de trabalho para quem mora naquele entorno. Nós temos, sim, todo o interesse em qualificar as famílias e pessoas que queiram trabalhar futuramente na área. Claro que trabalhado dentro de um ordenamento urbano correto, sem a ocupação indevida de área pública”.

Ellyka Gomes – Fotos: Nalva Figueiredo