Dinheiro ‘lavado’ em Angola pode ter sido usado em construção de hotel e resort na Paraíba

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Um escândalo financeiro descoberto em Angola, país africano, e que envolve o ex-presidente José Eduardo dos Santos e a sua filha, Isabel dos Santos, pode ter relação direta com dois grandes empreendimentos construídos na Paraíba: o Solar Tambaú, em João Pessoa, e o resort Mussulo by Mantra, na Costa do Conde, no litoral sul. Os investimentos, que somam milhões de reais, segundo investigações da Polícia Federal, seriam de dinheiro de corrupção que teria sido lavado no Nordeste.

A suntuosidade de ambas as construções – que chamou atenção dos paraibanos -, disfarça a origem dos recursos que as tornaram possíveis: uma rota de desvio, sonegação e lavagem de dinheiro internacional, segundo a Polícia Federal. Durante cerca de sete anos, a PF investigou o homem por trás dessa rota: o angolano José Carlos de Castro Paiva, figura de confiança do político que governou Angola por quase 40 anos.

Segundo um inquérito da PF obtido pela Agência Pública, Castro Paiva – que foi durante 25 anos diretor-geral em Londres da poderosa estatal petrolífera angolana, a Sonangol – desviou dinheiro sujo do país africano para os empreendimentos imobiliários na costa paraibana. A complexa trama de ocultação de moedas e patrimônio, operada por meio de uma série de empresas em paraísos fiscais, envolveria também a filha do ex-presidente de Angola, a mulher mais rica da África e alvo da série de reportagens do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) do qual a Pública participa: a Luanda Leaks.

A investigação da PF, que apontam indícios de peculato, desvio de verbas, gestão fraudulenta de instituição financeira e lavagem de dinheiro contra Castro Paiva foram enviadas ao MPF – Ministério Público Federal. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, o inquérito corre em sigilo.

Na construção do edifício não houve um traço de austeridade: os R$ 20 milhões que, estima-se, foram gastos para erguer o condomínio saltam aos olhos nos apartamentos com iluminação controlada pelo celular, esquadrias alemãs e mosaicos italianos. E a 30 quilômetros dali o mesmo investidor angolano teria gasto outros R$ 70 milhões para construir um dos mais luxuosos resorts do litoral paraibano, o Mussulo, cujos mais de cem bangalôs representaram durante anos a pujança do investimento estrangeiro no Nordeste.

Na Paraíba. Castro Paiva estava na Paraíba quando foi pego por agentes da Polícia Federal em um quarto de hotel na capital, em 2017, cerca de sete anos após as autoridades terem colocado o banqueiro angolano no radar, em busca da origem do dinheiro estrangeiro que financiava empreendimentos milionários na costa da Paraíba.

Então, foram contatos no setor imobiliário que deram a pista à PF: os mesmos empresários que haviam construído o resort Mussulo – inaugurado em 2009 -, finalizavam um segundo empreendimento luxuoso, dessa vez na própria capital paraibana, o Solar Tambaú, prédio de cinco andares no privilegiado ponto da orla da cidade. Inaugurado em 2017, o Solar Tambaú tem vista para o ponto de parada obrigatório para qualquer turista que visita a cidade.

O homem por trás de ambos os negócios, Castro Paiva, trazia milhões do exterior por meio de contas estrangeiras em empresas em paraísos fiscais, irrigando os cofres do resort Mussulo e do Solar Tambaú. A trama se revelou ainda mais intrincada quando a polícia obteve o mandado de busca e apreensão e surpreendeu Castro Paiva no hotel.

Castro Paiva entregou às autoridades, ao ser abordado no hotel, o celular com suas prolíficas conversas via WhatsApp. As mensagens revelaram, além de um estilo de vida regado a champanhe francês, a proximidade de Castro Paiva com o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, com membros do alto escalão do Banco Angolano de Investimentos (BAI), além de um operador financeiro investigado pelo Senado dos Estados Unidos.

E mais: documentos e uma agenda apreendidos revelaram registros de transações financeiras que indicavam um esquema de triangulação de dinheiro que saía de Angola, passava por empresas em paraísos fiscais e aportava no litoral da Paraíba.

De acordo com as investigações, Castro Paiva teria internalizado divisas estrangeiras equivalentes a cerca de R$ 13 milhões para a construção do resort Mussulo em 2009, por meio de uma obscura empresa chamada Mobilware, registrada na ilha caribenha de Dominica. O contrato para a vinda do dinheiro foi fechado com um homem apontado como “laranja” no esquema e o banco Sul Atlântico, com sede em Praia, capital do Cabo Verde.

A Agência Pública procurou Castro Paiva através do Banco Angolano de Investimento e questionou o angolano sobre as acusações da PF e sua relação com o Resort Mussulo e o Solar Tambaú. A reportagem também perguntou a ele sobre as denúncias de corrupção em Angola e desvio de dinheiro público das estatais africanas, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

Segundo a PF, os milhões terminaram na conta da GBF Empreendimentos Imobiliários e de Turismo, empresa registrada na Paraíba cujo dono de fato seria o português João Carlos Guerra Alves Pina Ferreira.

Diretoria do Solar Tambaú nega

De acordo com nota distribuída à imprensa pela direção do Solar Tambaú, todo o investimento estrangeiro realizado para a construção do empreendimento entrou no Brasil através do sistema bancário nacional, “devidamente justificado e fiscalizado por todos os órgãos de controle do Banco Central (SISBACEN) e respeitando todas as regras bancárias brasileiras, que estão entre as mais rígidas do mundo.”

A nota esclarece que os diretores do empreendimento, tão logo foram acionados pela Justiça brasileira, apresentaram toda a documentação do Solar Tambaú, inclusive, as transferências bancárias, que comprova a legalidade do investimento, desde a compra do terreno até o processo de construção, que segue os mais rigorosos métodos de construção civil.

“Portanto, os investidores e parceiros do Solar Tambaú podem ficar absolutamente tranquilos quanto a lisura do empreendimento e certos de que todas as informações que solicitadas pelas autoridades brasileiras foram prestadas com toda a clareza necessária”, enfatiza.

O Solar Tambaú é um investimento feito majoritariamente pelo investidor angolano José Carlos de Castro Paiva. É mentira que a senhora Isabel dos Santos tenha qualquer participação no Solar Tambaú ou relação de negócios com o investidor José Carlos de Castro Paiva.

Tal insinuação seguramente ocorre devido às questões da política interna de Angola e está sendo alimentada de maneira leviana por pessoas envolvidas em diversos crimes contra o patrimônio privado aqui na Paraíba e que a justiça brasileira saberá julgar os responsáveis.

O empreendimento Solar Tambaú não tem ligação corporativa e administrativa com o Resort Mussulo By Mantra a não ser pelo fato do senhor José Carlos de Castro Paiva ser proprietário de três dos 102 bangalôs do resort.

“Enquanto o Solar Tambaú é um investimento feito majoritariamente por Castro Paiva, o Resort Mussulo By Mantra foi construído por um grupo de 60 investidores angolanos que, em busca de oportunidades de negócios, viu na ausência de um resort de padrão internacional na Paraíba, uma boa oportunidade de investimento”, diz a nota.

Redação com Agência Pública