455 mil pessoas viajam a pé em João Pessoa e ônibus passou a ser segunda opção

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O transporte público de João Pessoa enfrenta uma crise desde 2014. Para ter uma ideia, em cinco anos, mais de 1,8 milhão de passageiros parou de utilizar os ônibus da Capital, segundo dados do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de João Pessoa (Sintur-JP). E como o sistema não é subsidiado pelo poder público, quem fica, acaba custeando a estrutura. Resultado: o valor da tarifa vai ficando cada vez mais caro com os sucessíveis reajustes anuais.

Mas para onde estão indo os usuários do transporte público? O que pode responder essa questão é o Plano Diretor de Mobilidade Urbana que está sendo desenvolvido pela Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa (Semob-JP). O material, que está em fase de conclusão e deve ser divulgado nos próximos meses, fez um diagnóstico do cenário urbano e socioeconômico da Região Metropolitana de João Pessoa.

“O Plano faz uma análise geral de como as pessoas estão se locomovendo. A partir dos dados, o sistema de transporte público vai passar por uma reestruturação, se adequando às necessidades da população”, destacou o superintendente da Semob-JP, Adalberto Araújo.

Na 2ª Audiência Pública do Plano Diretor de Mobilidade Urbana, que aconteceu em dezembro do ano passado, a Semob-JP apresentou uma parte do que já foi diagnosticado com as pesquisas domiciliares. O material revelou que o bairro de Mangabeira concentra um índice significativo de empregos, ficando atrás apenas da região central da cidade.

Essa informação mostra, por exemplo, a necessidade de inclusão de linhas de ônibus entre bairros. “Mangabeira apareceu como um polo atrativo de viagens. Lá, já não é aquela região onde as pessoas saem para trabalhar. Pelo contrário, tem gente saindo de outros bairros para trabalhar e fazer compras no comércio local. Então, isso mostra uma descentralização que precisa ser atendida”, comentou Araújo.

O Plano analisou a forma como mais de 1,6 milhão de pessoas se deslocam na Região Metropolitana de João Pessoa. Destas, 46,3% utilizam transporte individual motorizado (veículo próprio, carona, motocicleta, alternativo, Uber e táxi). Outros 29,9% andam a pé ou de bicicleta. E 23% usam o transporte coletivo (ônibus, trem, fretado e balsa).

O Plano indicou também a forma como a população se desloca, segundo a faixa de renda. A grande maioria das pessoas (203 mil) anda a pé e ganha entre um e três salários mínimos. A segunda maior parcela – quase de 179 mil – tem carro próprio e renda entre cinco e dez salários mínimos. Depois aparece o grupo dos que utilizam os coletivos como meio de transporte – mais de 164 mil pessoas, que ganham entre um e três salários mínimos.

Os novos meios de locomoção também foram pesquisados. O material mostrou que a população que recebe entre um e três salários mínimos (quase nove mil pessoas) é a que mais utiliza os transportes por aplicativos, como Uber, seguida pela que tem renda entre cinco e dez salários mínimos.

“O sistema de transporte público de João Pessoa opera, praticamente, da mesma forma de quando foi criado há 40 anos, passou apenas algumas adaptações ao longo dos anos. Mas, por exemplo, ainda temos linhas circulares e poucas linhas entre bairros”, comentou o superintendente da Semob-JP. “O Plano vai nortear a Semob a, por exemplo, ajustar as rotas dos coletivos e, assim, tornar o sistema mais atrativo para a população”, acrescentou.

Como as pessoas se deslocam na Região Metropolitana de João Pessoa

Transporte Ativo: 29,9%

A pé: 26,9%

Bicicleta: 3%

Transporte Individual Motorizado = 46,3%

Veículo próprio: 20,6%

Carona: 12,1%

Motocicleta: 9,7%

Alternativo: 2,1%

Uber: 1,4%

Táxi: 0,4%

Transporte Coletivo = 23%

Ônibus: 20,7%

Trem: 0,4%

Fretado: 1,8%

Balsa: 0,1%

Fonte: Semob-JP

 Viagens diárias por modo de locomoção e faixa de renda (S.M*)

1 a 3 S.M: 203,4 mil pessoas andam a pé

5 e 10 S.M: 178,9 mil pessoas condutor de veículo

1 a 3 S.M: 164,1 mil pessoas utilizam ônibus

*Salário Mínimo

Fonte: Semob-JP

É preciso discutir o transporte público

O professor Nilton Pereira, especialista em Mobilidade Urbana, destacou que o transporte público em todo o Brasil sofre com a perda de usuários. Isso porque, segundo ele, a prestação do serviço é precária, e, com o surgimento dos transportes de aplicativos, a população passou a ter mais uma opção para se locomover.

“O reajuste anual das tarifas só agrava o problema”, frisou. “A melhor forma de incentivar a população a utilizar o transporte coletivo é o poder público subsidiando o serviço. No Brasil, na maioria das cidades, o custo do transporte é bancado sozinho pelos usuários. Em países desenvolvidos, a população só paga entre 20% e 50% do custo. Mas aqui, o poder público tem uma resistência muito grande em subsidiar a prestação do serviço”, comentou Pereira.

Para o diretor da Rede Minha Jampa, Jerlan Alves, assim como em diversas cidades do Brasil, estamos em um círculo vicioso, onde as empresas justificam o aumento da tarifa pela perda de passageiros. “De maneira geral, temos um transporte público caro e precário, que não atende às expectativas dos usuários. João Pessoa tem a tarifa mais cara do Nordeste, uma frota de ônibus muito pequena comparada a outras capitais, com idade média dos veículos acima da média nacional e onde metade dos ônibus não é acessível”, comentou Alves.

Para Alves, é preciso que as empresas enxerguem a população como usuário que tem direito a um transporte público de qualidade e que possui demandas. “Enquanto isso não acontecer, as pessoas vão continuar optando por outros meios de locomoção, como bicicleta, carro, transporte por aplicativo frente ao ônibus”, destacou.

O diretor do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de João Pessoa (Sintur-JP), Isaac Junior Moreira, disse que, em meados de 2019, a entidade procurou a Semob-JP para discutir a possibilidade de o município subsidiar parte da tarifa de ônibus. “Se o serviço fosse isento de ISS, por exemplo, a passagem teria permanecido em R$ 3,95 este ano”, revelou.

“Se o valor da passagem baixasse, o número de passageiros dobraria. Em Porto Alegre, por exemplo, a prefeitura está estudando meios de reduzir o valor e, assim, estimular a população a utilizar o transporte coletivo”, comentou. O projeto a que Moreira se refere pretende conceder gratuidade aos trabalhadores com carteira assinada da cidade e cobrar tarifa de R$ 2 dos demais passageiros.

Atualmente, o valor da passagem de ônibus em Porto Alegre é R$ 4,70 – a mais cara do Brasil. Segundo a proposta, o custeio da gratuidade viria de uma série de mudanças na mobilidade urbana da cidade, entre elas, a taxação do transporte por aplicativo por quilômetro rodado e a cobrança da “tarifa de congestionamentos”, que seria paga pelos motoristas com placas de outras cidades. As alterações envolvem pontos polêmicos e precisam ser aprovadas pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

É preciso debater sobre a gratuidade

De acordo com dados do Sintur-JP, 67,2% dos usuários do transporte coletivo de João Pessoa pagam inteira; 21,5% são estudantes e pagam com desconto; e 11,3% têm direito à gratuidade.

O superintendente da Semob-JP, Adalberto Araújo, ressaltou que é preciso abrir o debate sobre as gratuidades no transporte público. Isso porque, além dos aposentados, algumas entidades têm direito à passagem gratuita nos coletivos, como carteiros, oficiais de justiça e policiais militares.

“Embora esses grupos não paguem passagem, o custo para transportá-los existe e ele é dividido entre os demais usuários”, destacou. Segundo Araújo, a Prefeitura subsidia as passagens dos estudantes da rede municipal de ensino e dos portadores com HIV. Por isso, a gestão municipal tem defendido que os segmentos se responsabilizem pelas gratuidades de seus beneficiários.

Assim, o Governo do Estado arcaria com o custo dos policiais militares e estudantes da rede estadual de ensino; o Poder Judiciário pelos oficiais de justiça; o Governo Federal pelos aposentados. “Defendemos sim a gratuidade, ela é legítima. Mas defendemos que cada ente público assuma sua parcela. Porque qualquer subsídio que venha tirar o custo dos usuários vai contribuir para a tarifa baixar”, frisou.

Ellyka Gomes – Jornal Correio da Paraíba