Balduíno Lélis: Paraíba perde uma das figuras que enriqueciam o ambiente cultural regional

Paraíba

Na última segunda-feira, a Paraíba perdeu uma das figuras que enriqueciam o ambiente cultural regional em diversas variações. Nascido em Taperoá há 90 anos, Balduíno Lélis era tido como uma das referências em pesquisas sobre a civilização paraibana, tendo participado ativamente na criação de museus espalhados por João Pessoa e pelo interior do Estado. Lélis integra também um marco para a Paraíba: em 1970, ele participou do primeiro longa-metragem filmado por aqui, O Salário da Morte, dirigido por Linduarte Noronha (1930-2012) a partir do livro do amigo José Bezerra Filho, tendo participado também de produções posteriores para o audiovisual.

Alice Balduíno, filha do pesquisador, lamenta a morte do pai. “Profundamente triste, Balduíno partiu para o lado do pai, deixou para todos o privilégio de ter conhecido a magnífica pessoa que fez valer a pena a existência humana na Terra”.

O escritor José Bezerra Filho conheceu a figura, de quem futuramente se aproximaria, a partir de Antonio Serafim, que o mencionava como “o único paraibano na Enciclopédia Britânica”, um feito já marcante para a época, referente à colaboração de Lélis com suas pesquisas nos sítios  arqueológicos da Itacoatiara do Ingá (PB). “Desde muito cedo eu tinha uma grande admiração por ele, mesmo sem ainda conhecê-lo”, comenta.

O pioneiro O Salário da Morte contou ainda com José Bezerra Filho, escritor do livro base para a filmagem, e W.J. Solha na produção. A atuação? Para José Bezerra, Balduíno Lélis “deu um show”. Entretanto, o lado brincalhão de Lélis é destacado pelo amigo. “Ele era muito fanfarrão”, comenta Bezerra.

“Tem uma imagem que eu e Solha guardamos de cor como uma das melhores. Estávamos na delegacia de Pombal com o Tenente Manoel Raposo. No quintal da delegacia, que deveria ter uns 15 metros quadrados, Balduíno afirmou que sabia atirar. Ele mandou um garoto comprar balas de revólver, pediu um emprestado a um dos policiais, pegou algo como um carvão, desenhou um vulto na parede, com um triângulo em lugar do coração, disse para mim, metendo a arma (já carregada) na cintura: Vou dar alguns passos a partir do desenho e, quando quiser, grite ‘já!’.

Bem ali, vi uma cena digna de faroeste italiano: ele foi à sua ‘vitima’, voltou-se e aí passou a andar pra longe dela, até que gritei ‘já!’, e ele girou sobre si mesmo, acocorando-se, e o vi dar três disparos quase simultâneos: ‘Tá-tá-tá!’ – um furo em cada ângulo do triângulo”.

Para José Bezerra Filho, ele foi uma figura marcante para a cultura paraibana. “É essa imagem brincalhona que temos de Balduíno, um conversador inteligente ‘que só a gota’. Falava muito bem, contava histórias, era o tipo singular que marca a cultura paraibana e sociedade taperoense. Perdemos muito com a morte dele”.

O escritor, jornalista e colunista de A União, José Nunes lembra do amigo como “uma pessoa de conhecimento múltiplo; uma figura cativante”. Em texto publicado para o Correio das Artes, em junho deste ano, Nunes se referencia a Balduíno Lélis como artista multifacetado, tendo trabalhado, além como ator de teatro, como escritor de romance e de contos, e exercendo artes plásticas.

“Estava sempre presente aos movimentos culturais, mesmo que não tenha publicado, Balduíno tem uma produção literária invejável como romancista e contista”. Além de participar de papéis fundamentais na cultura paraibana, Nunes o destaca com a participação nas universidades como professor convidado. “Deu aulas na Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal do Ceará e na Universidade de Tóquio (Japão)”.

Em depoimento publicado em seu perfil no Facebook, o ator e escritor W.J. Solha enumera outras participações de Lélis: como Capitão Antônio Silvino no longa Menino de Engenho, de Walter Lima Jr, como São Gregório no em São Jerônimo, de Bressane, como Coronel Bezerra na minissérie O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, e como pai de Padre Rolim no longa Um Sonho de Inacim – O aprendiz de Padre Rolim, de Eliézer Rolim.

O fotógrafo Antonio David também lista as qualidades do amigo a partir da característica de “enciclopédia viva”, que a Paraíba acaba de perder. “Ele tinha assunto sobre todos os tópicos que você perguntava, seja de teatro, cinema, de geografia. Ele entendia sobre animais e sobre o comportamento de animais, sobre minérios. Ele era acostumado a amar e a entender a natureza. Era o tipo de pessoa amável, com papo agradável e uma pessoa queridíssima, de riso largo”.

Para David, um dos maiores legados que ele deixa para a Paraíba vem a partir da criação da Universidade Leiga do Trabalho, em Taperoá. “Lá ele preparava a pessoa para a vida, a fazer tudo o que era necessário para se manter em uma casa. Ele sempre deu essa grande contribuição para seus conterrâneos”.

Carlos Aranha – Jornal A União