Conquista do ouro olímpico de Ítalo Ferreira empodera jovens surfistas de vários subúrbios do Brasil afora

Cotidiano Fábio Cardoso

Retornando para casa após mais um dia de trabalho, vi quatro jovens subindo no VLT na estação de Mandacaru – um bairro no subúrbio de João Pessoa – cada um com uma prancha de surf debaixo do braço. Após andar cerca de 8 minutos, desceram na estação Jacaré e seguiram, andando, até a praia de Intermares, na cidade de Cabedelo – a 18 km da capital paraibana.

Nesta terça-feira (27), talvez, nenhum dos outros passageiros do VLT tenha pensado em chamar os quatro jovens de “vagabundos” e “drogados”, estereótipos comuns até pouco tempo uma marca registrada dirigida a quem vê no surf a sua verdade, o seu hobby, o seu sonho.

Nesse dia, às 13h de uma terça-feira, os quatro jovens não tinham uma simples e surrada prancha de surf, tinham um troféu que exibiam com muito orgulho, empoderados, após a conquista da medalha de ouro por Ítalo Ferreira, um surfista de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, que também deve ter sido discriminado por procurar no surf a realização do seu sonho.

O primeiro ouro do Brasil na Olimpíada do Japão foi desse nordestino arretado, que jamais fugiu de suas raízes pobres, da infância com extremas dificuldades, de sofrimento, assim como nunca perdeu a esperança de correr atrás do sonho realizado agora. Ítalo estava no subconsciente desses quatro jovens do VLT, estava também no das pessoas que sempre subjugam quem teoricamente foge de curva do óbvio, do lógico.

Não haverá uma revolução, uma mudança de conceito, de hábito da sociedade por causa dessa medalha do Ítalo. Claro que não. Mas se o feito dessa madrugada servir de reflexão, se o choro de Ítalo e de milhões de brasileiros pobres e discriminados, ou não, forem exemplo, certeza alguma transformação acontecerá.

No registro dos jovens dentro do VLT tinha do lado deles três seguranças. A presença deles foi uma mera coincidência – eles se sentaram justamente próximos. Porém, ela pode ser emblemática nesta terça-feira. Não oprimam quem está correndo atrás de seus sonhos. Dentro desses jovens foi plantada mais uma semente de que, na vida, só a morte não tem retorno.

Fábio Cardoso