Locais históricos da Paraíba: maravilhosos, mas fora dos roteiros turísticos

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Os belos roteiros históricos e turísticos da Paraíba são, de fato, atrativos, mas padecem de um pecado capital: não dão visibilidade à localidades – com riquíssimas exceções – palcos de acontecimentos históricos, que inclusive mudaram os rumos do estado e seu povo a um custo de muitos conflitos e derramamento de sangue e distantes do Litoral.

Existe um lugar distante, muito distante do Litoral, que serviu de palco para uma revolta política e sangrenta, pouco propagado e reconhecido, mas icônico para a História da Paraíba.

Patos de Irerê, distrito de São José de Princesa, à 432 Km de João Pessoa Via BR-230 e PB-306.
Uma cidadela hoje discreta e pacata, mas que tem um passado histórico violento e transformador, riquíssimo por ter sido rota do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, em 1922, e palco da Revolta de Princesa, período de fevereiro a agosto de 1930; revolta esta que simplesmente antecedeu ou espoletou a Revolução de 1930 com assassinato do presidente João Pessoa.

Casas preservadas, casarões em ruínas, outros bem preservados, emblemáticos de uma arquitetura moderna para sua época e que serviram de palco a um conflito cujos personagens, cangaceiros, coronéis, intelectuais, políticos e militares, ainda persistem no imaginário popular da gente do lugar, mas pouco retratados, explorados ou estudados.

A começar pelo município de Princesa Isabel, que ostenta em sua praça principal um busto do presidente Epitácio Pessoa tendo ao lado o sobrado ou palacete do coronel José Pereira, um ambiente que serviu de residência, hospital de campanha militar e atualmente sede da Academia Princesense de Letras.

Espaços e monumento bem preservados, abertos e lugar frequentado por ávidos pesquisadores do cangaço na Paraíba e da famosa Revolta de Princesa.

Palacete do coronel José Pereira, em Princesa Isabel

A 18 km desta outrora praça de guerra, fica Patos Irerê, esta sim, uma cidadela de muitos segredos inconfessos do coronelismo paraibano, endereço de Marcolino Diniz, braço direito do coronel Zé Pereira, coiteiro de Lampião e casado com uma prima chamada Alexandrina Diniz que se tornaria romanticamente famosa numa canção de Luiz Gonzaga.

Xanduzinha
O caboclo Marcolino
Tinha oito boi zebú
Uma casa com varanda
Dando pro Norte e pro Sul
Seu paiol tava cheinho
De feijão e de andú
Sem contar com mais uns cobres
Lá no fundo baú
Marcolino dava tudo
Por um cheiro de xandú
Ai, Xanduzinha
Xanduzinha minha flô
Como foi que você deixou
Tanta riqueza pelo meu amô?
Ai, Xanduzinha
Xanduzinha meu xodó
Eu sou pobre mas você sabe
Que o meu amô vale mais que ouro em pó
Ai, Xanduzinha
Xanduzinha minha flô
Como foi que você deixou
Tanta riqueza pelo meu amô?
Ai, Xanduzinha
Xanduzinha meu xodó
Eu sou pobre mas você sabe
Que o meu amô vale mais que ouro em pó
O caboclo Marcolino
Tinha oito boi zebú
Uma casa com varanda
Dando pro Norte e pro Sul
Seu paiol tava cheinho
De feijão e de andú
Sem contar com mais uns cobres
Lá no fundo baú
Marcolino dava tudinho
Por um cheiro de xandú
Ai, Xanduzinha
Xanduzinha minha flô
Como foi que você deixou
Tanta riqueza pelo meu amô?

Edificação rural que serviu de base militar na Revolta de Princesa

A residência do casal, localizada na rua principal do vilarejo, ainda está lá, inclusive, com os móveis que resistiram ao tempo. E com uma vizinhança sabedora de tudo o que ocorreu naquela cidadela, pouco disponível para declarações, mas com algumas pessoas cordatas em abrir a capela do lugar, mostrar o interior da famosa residência; orgulhosas do lugar e do seu passado.

Reza a lenda que no início dos anos 1920, Virgulino Ferreira Lampião aterrorizava Pernambuco e descansava na Paraíba, tendo transformado Patos de Irerê no seu spa para beber, jogar baralho, descansar e também planejar razias tenebrosas, a exemplo do famoso e cruel assalto ao município de Sousa, em 1924.

Bem na praça principal fica a casa de Marcolino e Alexandrina Diniz, lugar de recorrentes visitas de Lampião para tratar de negócios privados como o clã dos Pereira, comendo, bebendo conhaque e jogando baralho sossegadamente.

No pé da Serra do Pau Ferrado, que faz divisa entre Patos de Irerê e Triunfo(PE), ainda está lá a Fazenda Pedra, de Laurindo Diniz, político importante em Triunfo, coiteiro de Lampião.
Nesta casa Lampião se deixou fotografar pela primeira vez como chefe de bando, em 1922. O lugar funcionava como coito de cangaceiros; hoje recebe visitas de pesquisadores e historiadores do cangaço.

E bem preservada a casa onde, pela primeira vez, Lampião se deixou fotografar como chefe de bando, isto há cem anos, quando Virgulino foi ungido no comando do bando deixado por Sinhô Pereira, que se aposentara da vida bandoleira.

Nos arredores de Patos de Irerê fica o famoso casarão – em ruínas – da família Marçal Diniz, pai de Marcolino, um presente de casamento de Xandu com Marcolino, palco da icônica batalha da Revolta de Princesa, antagonizada pelos revoltosos e as forças legais do governo, lideradas pelo sargento Clementino José Furtado, imaginem vocês, um ex-cangaceiro de Lampião que respondia pela alcunha de Clementino Quelé, ou “Tamanduá Vermelho”.

Chefiando uma tropa com mais de 300 revoltosos no cerco deste casarão, estava um certo Luiz do Triângulo, um ex-cangaceiro que atuara em coalização com o bando de Virgulino Ferreira, em Pernambuco, mas que na Paraíba, encontrara proteção do deputado e coronel Zé Pereira.
Visando forçar a rendição dos revoltosos, o sargento-PM Clementino Quelé, sequestrou Alexandrina Diniz (esposa de Marcolino Diniz) e uma senhora de nome Antônia (esposa de Luiz do Triângulo) e as manteve como reféns no casarão.

Essa estratégia das forças governamentais não logrou êxito porque o casarão foi cercado numa noite de tempestade com muita chuva, raios e trovões, resultando daí um cinematográfico tiroteio com dezenas de soldados mortos, no regate de Xanduzinha e a fuga, também espetacular, do sargento Quelé.

Incrível constatar que as autoridades de preservação do patrimônio Histórico e cultural da Paraíba, finjam ignorar a importância dessas edificações e localidades para a História da Paraíba, mais estupefato ainda, a maneira desastrosa de cancelamento do lugar por parte da agência governamental de turismo – e também privadas.

O fato é que Patos de Irerê tem tanto o quanto ou mais a contar sobre nossa cultura e história, que muitos endereços do roteiro turístico da Paraíba.

Por João Costa 
Foto1. Casa de Marcolino e Xandu, na rua principal do vilarejo de Patos de Irerê.
Foto 2. Capela onde estão os restos mortais de Marcolino e Xanduzinha.
Foto 3. Casarão em ruínas, palco dos combates entre revoltosos e forças do governo, em 1930.
Foto4. .
Foto5. Foto do bando de Lampião, em 1922, em Patos de Irerê, fazenda Pedra.