Derrubando muros e construindo pontes: a geração de oportunidades por meio de ações de empreendedorismo social

Destaque Paraíba

Pessoas negras e quilombolas estão vivenciando mudanças em suas realidades ao participar de iniciativas do TRT da Paraíba

O abismo que a falta de oportunidades causa era encarado, até pouco tempo, como praticamente intransponível. Poucos são os que, mesmo diante das desigualdades socioeconômicas, conseguiram furar a bolha do tal do “merecimento”. Porém, é fato: basta abrir uma porta para que quem mal conseguia enxergar a janela, não só passe por ela, mas a escancare para que mais pessoas possam ter a mesma chance.

E é importante que a porta seja aberta desde cedo. Tiago da Silva Santos é prova disso. Ele é um jovem quilombola que mora em Paratibe, Região Metropolitana de João Pessoa. Em 2023, participou do projeto “Quilombo vai à Nasa”, desenvolvido pelo Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), e que proporcionou não só conhecimento, mas a possibilidade de olhar para um campo de estudos que ele jamais imaginou antes: a inovação. Com a criação do “Jogo da Água”, junto a colegas que também estão em situação de vulnerabilidade social, Tiago Santos começou a enxergar o próprio potencial. Mas isso não foi fácil.

“O projeto deu oportunidade para diversas pessoas de comunidades, incluindo indígenas e migrantes. Por causa dele, pudemos nos preparar para participar do Hackathon (maratona de inovação) da Nasa. Em conjunto com meu grupo, desenvolvemos um jogo de tabuleiro com o objetivo de auxiliar o conteúdo ministrado em sala de aula. O jogo teve de ser feito em dois dias e fiquei encarregado de transformar as ideias em um produto. Enfrentei muitas dificuldades no início devido a falta de conhecimento abrangente na área. Mas, com a ajuda da minha equipe, conseguimos desenvolver o produto”, contou.

No entanto, o sentimento de preocupação “grudou” nos jovens. Afinal, os competidores eram experientes e já trabalhavam na área de tecnologia da informação. “Havia muitos grupos com profissionais incríveis que nos serviram de inspiração. Até a divulgação do resultado, estávamos sem esperanças porque os outros projetos eram ótimos. Mas, quando anunciaram que ficamos em segundo lugar, fiquei sem reação. Não consegui expressar nenhum tipo de emoção. Simplesmente, não conseguia acreditar. Foi um dos momentos mais incríveis de toda a minha vida”, revelou, emocionado.

O jogo de tabuleiro virtual tem a proposta de ensinar, de maneira lúdica, dinâmica e divertida, sobre o Objetivo 6 (água potável e saneamento) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Depois dessa vitória, Tiago e sua equipe, formada por Guilherme Miguel, jovem indígena do povo Tabajara, Yasmin Vitória, do quilombo de Mituaçú, e Alianna Andrea, venezuelana, estão levando o jogo para diversas salas de aula e jogando, na prática, com crianças e adolescentes. “Estávamos muito nervosos com a ideia de realizar esse projeto para diversos jovens. Mas tudo correu muito bem. Recebemos muitos feedbacks que nos ajudaram a aprimorar o jogo”, disse.

Hoje, ele é jovem aprendiz no TRT-13 e faz parte do setor de inovação da instituição. “Antes de tudo isso, eu era uma pessoa cheia de dúvidas sobre o que queria para a minha vida profissional. Mas, através dessa experiência, desenvolvi uma paixão enorme pela área de TI e desejo fazer faculdade nessa área para me qualificar ainda mais para o mercado de trabalho”, frisou.

Impacto social: as parcerias importam

Para a analista técnica do Sebrae/PB, Renata Câmara, as parcerias feitas tanto com instituições como com empresas privadas, com foco no desenvolvimento do potencial das pessoas inseridas em comunidades vulneráveis, são importantes para reduzir as desigualdades sociais que existem no país e, de forma mais gritante, na Região Nordeste. Tudo se resume a uma só palavra: oportunidade.

“São pessoas que têm valores, princípios, habilidades e vocações que podem ser bem conduzidas e orientadas para trabalharem de forma colaborativa e cooperativa. Dessa maneira, criam-se redes de apoio entre as comunidades mais vulneráveis, reduzindo o alto índice de desigualdade social e, consequentemente, outros indicadores negativos, a exemplo de violência e baixa qualidade de vida. Para isso, é importante que as pessoas se apropriem do seu potencial máximo e possam, realmente, ter orgulho daquilo que fazem e produzem”, destacou.

Neste sentido, a analista explicou que a própria sociedade já começou a olhar mais atentamente para projetos que impactem, de fato, o social. “Ou seja, incluindo as pessoas em situação de vulnerabilidade, que comumente ficam à margem da sociedade, no mercado de trabalho de forma produtiva e justa. Além disso, há o incentivo à valorização da autenticidade e criatividade dos produtos feitos por esses povos, pois enfatizam sua identidade social e celebram sua cultura”, frisou.

Dados da pesquisa “Empreendedorismo por raça-cor: foco no segmento dos que se autodeclaram pretos e pardos (raça-cor negra)”, feita pelo Sebrae com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada em novembro de 2023, revelam que 64% dos empreendedores paraibanos se autodeclaram como pretos e pardos. Ou seja, mais da metade dos donos de pequenos negócios da Paraíba são negros. O percentual supera o índice nacional, que é de 51,8%.

O levantamento mostra, ainda, que, no Brasil, 77,6% dos donos de negócios que se encaixam nesse perfil ganham até dois salários mínimos, enquanto 9,6% ganham de dois a três salários mínimos, 8,5% de três a cinco salários mínimos e 4,3% ganham cinco salários mínimos ou mais.

Para além dos muros

Justiça Social. Este é o lema que o judiciário trabalhista tomou para si e carrega com orgulho. Mas quantos tribunais podem realmente dizer que promovem a Justiça Social? O Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região) pode! Prova é que comunidades inteiras estão sendo impactadas positivamente com a perspectiva de mudança de sua realidade social, seja por meio do acesso ao trabalho, à justiça, ou, ainda, incentivo a sua criatividade e inovação voltados ao empreendedorismo.

Tudo isso tem sido feito por meio de inúmeros projetos, entre eles o “Quilombo vai à Nasa”, que tem o objetivo de preparar os participantes para compreenderem que, por meio de sua trajetória profissional, podem usar as tecnologias como ferramenta de transformação social, desenvolvendo comportamentos empreendedores no contexto em que estão inseridos. É puro incentivo à autonomia nas comunidades.

“Os projetos de responsabilidade social têm um papel muito importante no processo de construção de uma nova visão por parte de pessoas que vivem em comunidades vulneráveis. É a introdução de novos conceitos e de novas visões de mundo para aquelas pessoas. Isso faz com que elas possam, também, enxergar de outra maneira aquilo que fazem no dia a dia. Elas conseguem enxergar valor naquilo que produzem na comunidade onde estão inseridas, quais são os diferenciais daquela localidade e elas passam a se autoperceber melhor. Tudo isso acontece a partir dessa intervenção”, enfatizou a analista técnica do Sebrae/PB, Renata Câmara.

Um importante chamado: Aquilomba, Paraíba!

Já a iniciativa mais recente criada pelo regional estadual é o “Aquilomba, Paraíba: projeto de sustentabilidade e inovação social do TRT-13”. Com a proposta de promover letramento digital e formação em sustentabilidade, a iniciativa quer fomentar a inovação social em comunidades quilombolas da Paraíba. O projeto pretende alcançar doze territórios e, diretamente, 360 pessoas. O foco é pensar a sustentabilidade a partir de quatro eixos: ambiental, social, cultural e econômico.

As ações começaram com a doação de 170 computadores, perfazendo um total de mais de R$ 500.000, para 16 comunidades quilombolas do estado. No entanto, as doações continuam e já ultrapassam as 200 unidades. Além disso, antes mesmo dos equipamentos chegarem às comunidades, algo essencial já estava disponível: a internet. Por meio de cooperação entre o TRT-13 e a Associação Nacional para Inclusão Digital (Anid), lugares que ainda não tinham acesso têm, agora, internet gratuita.

“A internet, sem dúvida, vai fazer toda a diferença e vamos poder acessar o mundo. O projeto é mais do que bem-vindo e fará com que a gente ecoe nosso grito e ganhe nosso espaço na sociedade como pessoas negras. Somos gratos por essa oportunidade”, afirmou Rosângela Santos, presidente da Associação da Comunidade Negra de Matão, que fica na região de Campina Grande.

“O empreendedorismo é uma força motriz que permite o desenvolvimento de novas habilidades e comportamentos por meio do estímulo e capacitação adequada. É uma forma de desenvolver a capacidade de se ir além do trivial”, avaliou Renata Câmara, analista técnica do Sebrae/PB.

Celina Modesto