TRT-13 lança Programa de Inclusão LGBTQIA+ e celebra Dia da Visibilidade Trans

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O Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), em João Pessoa, recebeu, nesta sexta-feira (27), o Selo Iguais na Diversidade, honraria concedida pela Iguais Associação LGBT+ a empresas e instituições comprometidas com o respeito e à promoção de ações que garantam a diversidade, se tornando o primeiro tribunal a receber a distinção. A solenidade encerrou uma série de atividades que aconteceram na instituição, alusivo ao Dia da Visibilidade Trans, celebrado neste domingo (29).

Nesta sexta, foi assinado um conjunto de três atos que lançaram o Programa de Inclusão LGBTQIA+ do Regional. O primeiro, dispõe sobre o reconhecimento da identidade de gênero, o uso do nome social e a utilização de banheiros, vestiários e demais espaços, em compatibilidade com o gênero de identificação, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região. Será criado um manual de conduta interno para que as pessoas trans que o frequentarem, seja como usuárias do serviço da Justiça do Trabalho, seja como estagiárias, profissionais terceirizadas, servidoras ou magistradas, possam ser tratadas de maneira digna e adequada.

Em outro ato, o TRT regulamenta o Programa de Aprendizagem de Adolescentes e Jovens, com o objetivo de proporcionar a formação técnico-profissional metódica que favoreça o ingresso no mercado de trabalho, com vagas destinadas a pessoas trans e pessoas com deficiência (PCD). Outro ato cria o Programa Empregabilidade na Diversidade do TRT-13, além da criação do Selo Diversidade e Inclusão Social, destinado a premiar pessoas físicas e jurídicas que, reconhecidamente, desenvolvam boas práticas de diversidade e inclusão de grupos em vulnerabilidade social.

“Eu fui uma mentira”

O evento realizado no auditório do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba foi pautado por muita emoção, histórias, desafios, mas, sobretudo, mais uma oportunidade para quem busca incessantemente um lugar ao sol, uma colocação no mercado de trabalho e uma chance de ser alguém na vida. Márcia Rocha, advogada, co-fundadora do TransEmpregos – maior plataforma de empregabilidade de pessoas trans no Brasil -, conselheira Seccional da OAB/SP, fez uma palestra onde contou boa parte de sua vida e que serve de exemplo de perseverança e coragem, porém, uma realidade muito distante da imensa maioria das pessoas trans.

“Eu era uma mentira”. Essa foi uma afirmação forte dela, durante a palestra, mas que retrata a situação de dupla personalidade das pessoas que não têm, ou não podem, assumir aquilo que elas são. A advogada é de família abastada de São Paulo e, segundo ela, desde os 3 anos de idade, já na escolinha, sentia que o padrão de sexualidade dela estava inversa. Ainda sem entender, Márcia se sentia uma mulher, mas não sabia, muito menos a família, os amigos e os (as) coleguinhas da escola.

Aos 6 anos, Márcia disse que começou a mexer nas maquiagens da mãe, vestir as roupas delas, ainda tudo muito escondido. Já adolescente, começou a se transformar em trans dentro de motéis, onde se abrigava para trocar de roupa, indo para as baladas paulistanas, para retornar e voltar à vida cotidiana. Nesse período começou a tomar hormônios para começar a desenvolver seios maiores.

Essa fase da vida foi uma das mais cruciais dela, quando o pai estranhou o tamanho dos seios para um ‘homem’, levando-a ao médico. Foi quando descobriu a sexualidade do filho (a). Ao contrário da maioria das famílias, conta Márcia, o pai apenas pediu para que ela não revelasse a sua opção sexual e que continuasse a estudar e a pensar num futuro melhor. Foi o que ela fez.

Márcia se formou em Direito pela Universidade de São Paulo, fez pós, se especializou, aprendeu idiomas e decidiu vender tudo que tinha para morar nos Estados Unidos. Ao retornar ao Brasil, já tinha na mente o trabalho que iria desenvolver, nesse momento tendo assumido a sua condição de trans, isso aos 29 anos de idade, que, segundo ela, passou a ser “a sua verdade”. Conheceu muitos especialistas sobre sexualidade, passou a proferir palestras no mundo inteiro e foi a primeira trans do país a usar o nome social.

O que diferencia entre a “mentira” e a “verdade”? Na opinião da empresária, as oportunidades. Ela afirmou que se não tivesse apoio do pai, que nunca se opôs ou até combateu a sua sexualidade, apenas pediu para não revelar às pessoas do círculo familiar, empresarial e amigos, e que a acolheu em um momento difícil na época da ditadura em meados dos anos 70. “Se não tivesse aceitado o pedido do meu pai, hoje seria mais uma das milhares de pessoas trans na prostituição, à margem da sociedade, ou mesmo morta”, desabafou.

Realidade distante da imensa maioria

A realidade das pessoas trans está muito, mas muito, distante da vivenciada por Márcia Rocha e os números revelam essa realidade cruel. Conforme dados da Transgender Europe (TGEU), apenas 10% dos trans estão no mercado de trabalho e mais de 50% se demitem por não suportar preconceitos dentro das empresas. Outros dados de instituições que trabalham com as causas trans apontam que 0,02% frequentam uma universidade; 72% não concluíram o ensino médio; 90% têm na prostituição sua fonte de renda; e, de cada 10 mortes no mundo, quatro ocorrem no Brasil. 

Prioridade nas ações do tribunal

Diante desse caos social, o presidente do TRT-13, Thiago Andrade, deu início a criação de uma rede de proteção às pessoas trans e travestis, por se tratarem de uma parcela da população de extrema vulnerabilidade social, tornando possível oferecer oportunidades e capacitação. Mas bem antes desse sonho ser realizado com o lançamento do Programa de Inclusão LGBTQIA+. o presidente afirmou que, mesmo antes de assumir o cargo, já tinha um esboço do projeto e que iria colocá-lo em prática. 

“Nós temos uma dívida social, é preciso que promovamos a inclusão e a dignidade humana dessas pessoas. A Justiça do Trabalho, enquanto Tribunal da Justiça Social, precisa sair do campo das ideias e ir para as ações efetivas, seja trazendo esse público para dentro do Regional, seja indo em comunidades e locais em que essas pessoas vivam, para estarmos em contato direto com elas e entendermos suas necessidades”, enfatizou.

Durante o evento, a Assessoria de Comunicação Social (ACS), apresentou um vídeo produzido alusivo ao Dia da Visibilidade Trans. Nele, há relatos e vozes de pessoas trans, de órgãos e empresas que criam recursos para diminuir a desigualdade entre essas pessoas e a sociedade. O material foi produzido em parceria com a Assessoria de Projetos Sociais e Promoção dos Direitos Humanos (Aspros), o Ministério Público do Trabalho da Paraíba, a Coordenação do Espaço LGBT do Governo da Paraíba, a Iguais Associação LGBT+ e o Instituto Alpargatas.

Entrada do TRT-PB, agora, um local seguro e acolhedor para as pessoas trans

Local de acolhimento e proteção

Voltando ao começo do texto da reportagem, e assim foi feito propositalmente, o presidente da Iguais, Dhell Félix, afirmou que a concessão do Selo Iguais na Diversidade para o TRT – afixado na porta do tribunal – “é um reconhecimento de que a instituição está aberta e acolhe a população LGBTQIA+ de maneira inclusiva”, e é um local onde estarão protegidos e acolhidos, um momento histórico para a luta dessas pessoas por dignidade e por oportunidades.

Fábio Cardoso, com assessoria de imprensa